Antigo TestamentoComo a Pronúncia do Nome de Deus Foi Perdida? Parte 2 A tradição antiga se divide quanto ao uso do nome de Deus, sem uma razão clara para que alguns o proibissem. Andrew Caseilustração de David Fassett David Fassett18 Dezembro, 2024 CompartilharFacebookTwitterLinkedInImprimir Nível É importante reconhecer logo de início que simplesmente não sabemos com absoluta certeza como o nome de Deus era originalmente pronunciado. A pronúncia comum de “Yahweh” é um palpite bem-informado, mas nunca saberemos com toda a certeza como soou quando Deus o disse a Moisés. Duas coisas importantes nos impedem de saber: 1) O hebraico era escrito sem vogais pormuitos séculos, de modo que ficamos com apenas quatro consoantes: YHWH, e 2) as pessoascomeçaram a evitar a pronúncia do nome de Deus muito antes do hebraico começar a serescrito com vogais. E quando a Bíblia hebraica foi finalmente escrita com vogais, vogaisartificiais foram inseridas na grafia do nome de Deus para evitar que as pessoas opronunciassem! Portanto, neste artigo, tentaremos entender por que – por que os israelitaspassaram de jurar pelo nome de Yahweh, usando-o em orações, cânticos e saudações, paraproibir totalmente o seu uso? Por que os israelitas juravam pelo nome de Yahweh, usando-o em orações,cânticos e saudações, e depois passaram a proibir totalmente o seu uso? Pistas da Bíblia O próprio Deus nos dá uma pista sobre o que pode ter motivado essa mudança histórica de atitude em relação ao seu nome no livro de Amós. Esse livro remonta pelo menos ao século VIII a.C. e, portanto, representa a evidência mais antiga do que pode ter causado essa mudança. Amós adverte o povo sobre o exílio e a destruição vindouros que os punirão pelo seu orgulho e pela opressão dos pobres e necessitados. Ao descrever os horrores do julgamento iminente de Yahweh, ele diz: “‘E, se um parente que tiver de queimar os corpos vier para tirá‐los da casa e perguntar a alguém que ainda estiver escondido ali: “Há mais alguém com você?”, e a resposta for: “Não”, ele dirá: “Calado! Não devemos sequer mencionar o nome de Yahweh” (Amós 6:10). Portanto, existe a possibilidade de que alguns hebreus tenham ficado tão traumatizados com o que aconteceu sob o julgamento de Yahweh que preferiram não falar mais sobre Ele. Essetrauma poderia facilmente ter se transformado em nunca mencionar Seu nome por medo deque, de alguma forma, corressem o risco de cair em um julgamento semelhante. Esse medoinduzido pelo trauma poderia ter evoluído para a substituição do nome de Deus por títulos, oque os judeus rotularam posteriormente como um sinal de reverência ou respeito.1Um trabalho recente que discute o papel do Nome de Deus na sociedade e cultura israelita e como o mandamento contra o uso de seu nome em vão se relaciona com os dias de hoje é Christopher J.H. Wright, introduction to Bearing God’s Name: Why Sinai Still Matters, by Carmen J. Imes (Downers Grove: IVP, 2019). Essa ideia de evitar o nome de Deus por reverência ou respeito, no entanto, não é encontradanas Escrituras, mas é descrita em tradições posteriores criadas pelo homem. Também éimportante reconhecer que um antigo contingente de judeus caraítas condenou essastradições, dizendo que aqueles que insistem em evitar a pronúncia do nome de Deus devemser considerados ímpios. Durante o período intertestamentário, a Bíblia hebraica foi traduzida para o grego(popularmente chamada de Septuaginta [LXX]), e uma coisa interessante aconteceu na tradução de Levítico 24:16. O original hebraico diz: “Quem blasfemar (naqab) contra o nome de Yahweh deverá ser executado.” Mas a versão grega diz: “Quem usar o nome do Senhor deverá ser executado”. Aqui, o ato de blasfemar é traduzido para o grego como o simples ato de chamar pelo nome.A tradição do manuscrito de Levítico em grego é unânime, sem variação nesse texto. Ostradutores da Septuaginta podem ter traduzido “blasfemar” (naqab) em Levítico 24:16 como“chamar” por qualquer uma das seguintes razões: Em um espírito de piedade, eles não podiam nem mesmo traduzir o verbo “amaldiçoar/blasfemar/desrespeitar” quando tão diretamente ligado ao nome divino. Portanto, eles usaram circunlóquios para generalizar ou suavizar a frase. Eles simplesmente não entenderam o verbo hebraico. Eles permitiram que uma crença sobre a pronúncia do nome divino influenciasse sua tradução. Devido à forte influência da Septuaginta no judaísmo pós-exílico e na Igreja primitiva, essaleitura pode ter levado à proliferação de sentimentos contra a pronúncia do nome. Se umacrença contra a pronúncia já era predominante na época da tradução, então essa mesmatradução pode ter servido para fortalecer essa crença. Trata-se de uma especulação, mas,ainda assim, é uma evidência importante que precisa ser mencionada e considerada na buscado motivo pelo qual a tendência se voltou contra a vocalização do nome divino. A comunidade essênia que copiou os Manuscritos do Mar Morto também proibia estritamente falar o nome de Deus em qualquer contexto, inclusive em orações, mas eles não dão nenhuma razão para isso em seu livro de regras Pistas de fora da Bíblia O Talmude Babilônico oferece outra um explicação2Michael L. Rodkinson, trans., The Babylonian Talmud: Original Text, Edited, Corrected, Formulated, and Translated into English, vol. 1. (Boston: The Talmud Society, 1918), Rosh Hashannah 18b., mas não tão antiga quanto Amós ou a Septuaginta: a proibição do uso do nome de Deus começou como um dos decretos anti-Torá promulgados pelo tirano grego selêucida Antíoco IV Epífanes por volta de 168 a.C. Isso fazia parte de seu plano para converter os judeus ao helenismo. Mas quando Judas Macabeu derrotou os gregos, ele restaurou o uso do nome divino e estabeleceu uma lei que exigia o uso do nome de Deus em contratos para que todo judeu recuperasse o hábito de usá-lo. Mas os rabinos se opuseram a esse decreto e proibiram seu uso em contratos porque esses contratos poderiam ser queimados com o nome divino escrito neles. A comunidade essênia que copiou os Manuscritos do Mar Morto também proibia estritamentefalar o nome de Deus em qualquer contexto, inclusive em orações, mas eles não dão nenhuma razão para isso em seu livro de regras. Escritos posteriores no Mishnah, do século III d.C., descrevem uma atitude em desenvolvimento do ensino judaico sobre a questão: “Os seguintes não têm parte no mundo vindouro: … Abba Saul diz: Também aquele que pronuncia o nome divino como está escrito” (Mishnah Sanhedrin 10:1). Ironicamente, há muitos ensinamentos rabínicos que contradizem a proibição de falar o nome de Deus. Se você ler Mishnah Berakhot 9:5, 54a:1-9, 63a:7-8, Makkot 23b:10 e outros comentáriosjudaicos sobre Juízes 6:12, encontrará uma antiga concordância rabínica de que usar o nomede Deus em simples saudações, como fez Boaz, não só é permitido, mas deve ser incentivado.Estranhamente, a prática típica e a cultura dominante em torno do nome divino em Israel hoje é completamente contrária ao que esses comentários judaicos tradicionais concluem. Em minha pesquisa, não encontrei um motivo para isso, e é difícil saber com certeza quando a proibição do uso do nome se tornou comum. Pistas da Septuaginta (LXX) A tradição majoritária da tradução grega do Antigo Testamento (ou grego antigo) usavakurios, “Senhor”, no lugar do nome divino. Os grandes manuscritos cristãos CodexSinaiticus, Alexandrinus e Vaticanus têm kurios no lugar do nome de Deus. O que motivouisso? Alguns sugeriram que essa foi uma estratégia usada pelas autoridades para facilitar ahelenização dos judeus. Ao suprimir o nome especial de Deus e usar kurios, isso o tornavamais universal e mais fácil de harmonizar com os imperadores e deuses do mundogreco-romano.3Robert Wilkinson, Tetragrammaton: Western Christians and the Hebrew Name of God (Leiden: Brill, 2015), 51. Mas alguns manuscritos gregos do Antigo Testamento diferem do padrão de usar kurios parao Nome, especialmente entre os Manuscritos do Mar Morto. Por exemplo, os fragmentos dopergaminho (encontrados em Nahal Hever) dos Profetas Menores (8Hev XII gr), datados decerca de 50 a.C. a 50 d.C., têm o nome divino escrito em escrita paleo-hebraica em 28lugares. Outro pergaminho tem iao no lugar do nome. “Parece que a antiga tradição judaica estava dividida sobre o que fazer com onome de Deus.” Portanto, o fato de os tradutores originais da Septuaginta terem optado por usar kurios ououtra palavra permanece inconclusivo, o que nos leva a especular. Seja qual for o caso, pareceque houve controvérsia ou confusão entre os tradutores e revisores da Septuaginta sobre oque fazer com o nome divino, bem como um interesse especial por ele. A prática de substituiro nome de Deus pelo título kurios (“Senhor”) era muito difundida, mas ninguém jamaisrevelou uma razão clara para isso. Há muito mais a dizer sobre as evidências da Septuaginta,que você pode ler gratuitamente em meu livro sobre o nome divino. Conclusão Se você acha que a evidência parece confusa, é porque ela é! Parece que a antiga tradiçãojudaica estava dividida sobre o que fazer com o nome de Deus, mas não há nenhuma razãoconclusiva sobre o motivo pelo qual alguns proibiram seu uso. Seria devido ao trauma doexílio, à tradução errônea de Levítico 24:16, à proibição de um tirano maligno, à reverênciaou a uma combinação de tudo isso? É impossível ter certeza com as evidências que temos. Oque sabemos é que acabou se tornando padrão evitar pronunciar o nome de Deus,especialmente nos círculos judaicos, e isso contribuiu para a perda do som original. Nopróximo artigo, daremos uma olhada no que os autores do Novo Testamento fizeram com onome divino.Notes1Um trabalho recente que discute o papel do Nome de Deus na sociedade e cultura israelita e como o mandamento contra o uso de seu nome em vão se relaciona com os dias de hoje é Christopher J.H. Wright, introduction to Bearing God’s Name: Why Sinai Still Matters, by Carmen J. Imes (Downers Grove: IVP, 2019).2Michael L. Rodkinson, trans., The Babylonian Talmud: Original Text, Edited, Corrected, Formulated, and Translated into English, vol. 1. (Boston: The Talmud Society, 1918), Rosh Hashannah 18b.3Robert Wilkinson, Tetragrammaton: Western Christians and the Hebrew Name of God (Leiden: Brill, 2015), 51. Andrew Case Andrew se formou no Southern Baptist Theological Seminary e no Canada Institute of Linguistics. Ele atua como consultor de tradução da Bíblia e produz um podcast sobre sua área chamado Working for the Word. Ele e sua esposa Bethany agora trabalham no México e juntos fundaram o FreeHebrew.online onde usam tecnologia e uma abordagem de linguagem viva para ensinar hebraico, de uma forma livre, para o mundo.