Novo testamentoComo 2 Pedro Entrou para a Bíblia A história de como o livro mais contestável do Novo Testamento foi reconhecido como canônico Darian R. LockettPintura de São Pedro por Pompeo Girolamo Batoni.10 Agosto, 2023 CompartilharFacebookTwitterLinkedInImprimir Nível A questão da inclusão de 2 Pedro no cânone do Novo Testamento desperta um interesse particular. Mais do que qualquer outro texto do Novo Testamento, a autoria e autenticidade de 2 Pedro foram questionadas. Isso é verdade não apenas no período moderno (a erudição crítica moderna quase uniformemente considera 2 Pedro como escrita sob um nome falso ou pseudônimo), mas as preocupações sobre a autoria e, portanto, a autenticidade de 2 Pedro também remontam à igreja primitiva. Mais do que qualquer outro texto do Novo Testamento, a autoria e autenticidade de 2 Pedro foram questionadas. As questões centrais são a falta de citação pelos pais da igreja primitiva e a diferença estilística e literária entre 1 Pedro e 2 Pedro, combinada com as significativas semelhanças literárias entre 2 Pedro e Judas – de tal forma que alguns argumentam que 2 Pedro deveria realmente ser chamada de 2 Judas! Problemas com a autoria de 2 Pedro Vocabulário e estilo Embora a autoria de 2 Pedro tenha sido contestada desde os primeiros anos da igreja, é somente desde o início do século XX que o consenso acadêmico considerou a carta uma pseudoepígrafe. Tanto os intérpretes antigos quanto os modernos notaram as diferenças nítidas entre 1 Pedro e 2 Pedro em estilo e vocabulário. Para muitos, as duas cartas contêm tantas discrepâncias no vocabulário e no estilo que não podem compartilhar o mesmo autor. Por exemplo, com respeito ao vocabulário, 2 Pedro contém cinquenta e sete palavras que ocorrem apenas uma vez no Novo Testamento (conhecidas como hapax legomena), a maior porcentagem de qualquer escrito no Novo Testamento. Apenas vinte e cinco deles ocorrem na tradução grega do Antigo Testamento. Isso significa que 2 Pedro usa muitas palavras (trinta e duas) que não aparecem em nenhum outro texto bíblico. Como 1 Pedro não tem quase o número de termos não bíblicos, muitos chegaram à conclusão de que isso é evidência de que 2 Pedro não poderia ter sido escrita pelo mesmo autor de 1 Pedro. As duas cartas também são diferentes no que diz respeito ao estilo. Ao contrário de 1 Pedro, o grego de 2 Pedro é mais complicado, repetitivo e um tanto pomposo. Intérpretes desde Jerônimo notaram as diferenças estilísticas: “Ele [Pedro] escreveu duas epístolas, que são chamadas católicas, a segunda delas—por causa de sua diferença de estilo da primeira—é considerada por muitos como não sendo dele” (Vidas de Homens Ilustres 1, tradução livre). Uso do Antigo Testamento Além do vocabulário e do estilo, as duas cartas diferem talvez mais significativamente no uso do Antigo Testamento. 1 Pedro é fortemente dependente do Antigo Testamento, citando ou aludindo ao Antigo Testamento cerca de quarenta e seis vezes. 2 Pedro, por outro lado, parece quase não usar o Antigo Testamento, talvez contendo apenas cinco referências. Essa diferença pode ser mais significativa do que o estilo ou o vocabulário porque pode indicar conclusões diferentes sobre a autoridade e o papel teológico do Antigo Testamento. No entanto, é possível que os estudiosos tenham enfatizado demais a falta de referências de 2 Pedro ao Antigo Testamento por conta de como eles rastreiam essas referências. Uma explicação tradicional Um argumento tradicional que explica muitas dessas diferenças, cujas raízes se encontram na igreja primitiva, é o argumento de Jerônimo de que um autor (Pedro) usou dois secretários diferentes. No entanto, para explicar as diferenças entre as cartas, seria preciso supor que, em vez de simplesmente escrever o que fora ditado, o secretário teria certo grau de liberdade para redigir toda ou parte da carta. Em outras palavras, uma ou ambas as cartas poderiam ter sido compostas por um secretário, com Pedro aprovando o produto final em algum ponto do processo (veja Cícero, Carta a Ático 11.5, tradução livre, para um exemplo antigo). RelacionadosO Dia em que a Bíblia se Tornou um Best-SellerJeffrey KlohaA Bíblia que Jesus LiaJohn D. MeadeComo Saber Se Temos os Livros Certos na BíbliaMichael J. Kruger Evidência para a canonicidade O testemunho da carta em si A evidência interna da carta sugere autoria petrina. A carta começa nomeando seu autor como “Simeão Pedro” (Symeōn Petros, 2 Pe 1:1) que usa a forma aramaica de Simão. Isso pode indicar um cenário palestino para a carta (Tiago chama Pedro de “Simeão” em outro cenário palestino, Atos 15:14) e, portanto, pode apoiar a autenticidade da autoria petrina. Hipoteticamente, um falsificador copiaria mais de perto a abertura de 1 Pedro ou usaria a grafia mais comum de Simão. Além disso, o autor afirma ser uma testemunha ocular da transfiguração (2 Pe 1:16-18) e se refere a Paulo como um “irmão querido” (2 Pe 3:15). O testemunho dos pais da igreja Evidências externas, embora mais escassas do que em relação a outras cartas do Novo Testamento, oferecem um retrato misto da carta. Segunda Pedro não está inclusa no Fragmento Muratoriano, que muitas vezes é visto como uma das primeiras testemunhas do cânone do Novo Testamento. Deve-se notar, no entanto, que o Fragmento está incompleto e também omite 1 Pedro entre outros textos e, portanto, não é definitivo. Existem fortes semelhanças entre 2 Pedro e 1–2 Clemente e O Pastor, de Hermas (escritos antigos dos pais apostólicos). Essas semelhanças podem ser entendidas para indicar que o autor de 2 Pedro usou esses textos, ou, muito pelo contrário, que esses pais apostólicos usaram 2 Pedro como fonte. Dizer com certeza quem dependeu de quem é quase impossível, mas para alguns isso é uma indicação de que 2 Pedro foi usada lá no início, por esses primeiros escritos cristãos. A primeira citação inequívoca de 2 Pedro pelo nome vem de Orígenes. A primeira citação inequívoca de 2 Pedro pelo nome vem de Orígenes (182–251 d.C.), que cita a carta seis vezes. Orígenes observa que alguns tinham dúvidas sobre a carta, dizendo: “Pedro deixou para trás uma epístola reconhecida e talvez uma segunda; pois é questionado” (Eusébio, Historia Ecclesiastica 6.25.11). Mas parece que ele ainda considerou a carta a par com a autoridade de 1 Pedro (Orígenes, Homilías em Josué, 7:1). Portanto, na avaliação de Orígenes, as dúvidas de alguns que ele registra não eram sérias o suficiente para ele questionar a participação de 2 Pedro no cânone. O quão anterior a Orígenes 2 Pedro era conhecida é difícil de determinar com confiança. Embora seja contestado, alguns argumentam que a frase “para o Senhor um dia é como mil anos, e mil anos como um dia” (2 Pe 3:8 NVI) é usada em Irineu (130–200 d.C.) e que a passagem em Irineu (Adversus Haereses 5.23.2) está mais próxima de 2 Pe 3:8 do que de Sl 90:4 (Septuaginta). Também contestada é a afirmação registrada em Eusébio de que Clemente de Alexandria (150-215 d.C.) citou 2 Pe 2:19 e escreveu um comentário sobre a carta (em sua Hypotyposeis) que agora está perdida (Historia Ecclesiastica 6.14.1). Além disso, Justino Mártir (115-165 d.C.) chama a atenção tanto para os “falsos profetas” quanto para os “falsos mestres” em uma única passagem (Diálogo com Trifão 82.1) que é surpreendentemente semelhante a 2 Pe 2:1. Após o tempo de Orígenes, Eusébio (265–339 d.C.) também registra dúvidas em relação a 2 Pedro, observando que a carta não foi citada pelos “antigos presbíteros” (Historia Ecclesiastica 3.3.1). Além disso, ele lista 2 Pedro, juntamente com Tiago, 2–3 João e Judas, entre os “livros disputados” (antilegomenoi), mas ao mesmo tempo reconhece que esses livros eram “no entanto … conhecidos pela maioria” (Historia Ecclesiastica 3.25.1–4). Os pais da igreja que vieram depois de Orígenes, incluindo Jerônimo, Atanásio, Gregório de Nazianzo e Agostinho, todos reconheceram o status canônico de 2 Pedro. O testemunho de listas canônicas Além disso, em várias listas de cânones, 2 Pedro foi nomeada uniformemente junto com as sete epístolas católicas (Tiago, 1–2 Pedro, 1–3 João e Judas). Cerca de cinquenta anos depois de Eusébio, Cirilo de Jerusalém (por volta de 350 d.C.) observa: “Recebe… estas sete epístolas católicas de Tiago, Pedro, João e Judas” (Catequese 4.36). No Concílio de Laodiceia (363 d.C.), cada uma das Epístolas Católicas foi listada por nome e colocada após os quatro Evangelhos e Atos e antes das cartas paulinas. A Carta de Páscoa de Atanásio (367 d.C.) lista os “Atos dos Apóstolos e sete cartas, chamadas católicas… uma por Tiago, duas por Pedro, depois três por João, e depois destes, uma por Judas” (Cartas Pascoais 39.5). Aproximadamente treze anos depois de Atanásio, Anfilóquio (380 d.C.) registra algumas dúvidas ao observar: “das epístolas católicas, alguns dizem que devemos receber sete, mas outros dizem que apenas três devem ser recebidas—a de Tiago, uma, e uma de Pedro, e as de João, uma. E alguns recebem três [de João], e além destes duas de Pedro e a de Judas uma sétima” (Iambi ad Seleucum) Evidência dos manuscritos Além de sua inclusão quase uniforme nas listas de cânones do quarto século e além, 2 Pedro foi encontrada em vários manuscritos primitivos do Novo Testamento. O P72 (dos Papiros de Bodmer) é um códice de papiros do século III ou IV que contém o texto completo mais antigo de Judas e 1–2 Pedro, juntamente com vários outros textos cristãos antigos. A coleção incomum de textos sugere que o manuscrito era possivelmente de uso privado (e não para leitura na igreja). Os principais códices do quarto e quinto século combinam Atos e as Epístolas Católicas, no que é chamado de Praxapostolos, posicionando-se antes (Codex Vaticanus, do século IV e o Codex Alexandrinus, do século V) ou depois o corpo paulino (Códice Sinaítico, século IV). Todos esses três escritos incluem 2 Pedro nas Epístolas Católicas. Precisamente por causa do escrutínio a mais dos primeiros crentes, deve ser dada toda a confiança de que é Escritura agora. Confiantes na veracidade Apesar das dúvidas de alguns, por volta do século IV, 2 Pedro foi consistentemente incluída no cânone do Novo Testamento ao lado de 1 Pedro. Embora tenha enfrentado algumas das dificuldades mais sérias em sua jornada para o cânone, pode-se argumentar que, precisamente por causa do escrutínio a mais dos primeiros crentes, o fato de ter sido finalmente aceita como canônica significa que deve ser dada toda a confiança de que é Escritura agora. Darian R. Lockett darian.lockett@biola.edu | + posts Darian (PhD, University of St. Andrews) é professor de Novo Testamento na Universidade Biola. Seus livros ainda não estão disponíveis para o português (Letters from the Pillar Apostles, Understanding Biblical Theology, Letters for the Church: Reading James, 1–2 Peter, 1–3 John e Jude as Canon). Darian também foi preletor em nossa conferência Sacred Words. This author does not have any more posts.