CânonO Concílio de Niceia realmente Criou a Bíblia? Desmascarando o mito popular de que um imperador romano e um concílio da igreja do século IV decidiram o cânone John D. Meade4 Agosto, 2023 CompartilharFacebookTwitterLinkedInImprimir Nível Ideias têm consequências. Uma ideia que produziu consequências perigosas é a noção de que o Concílio de Niceia (325 d.C.), sob a autoridade do imperador romano Constantino, estabeleceu o cânone bíblico cristão. Alguns bispos da elite decidiram quais livros incluir e assim surgiu a Bíblia? Devemos creditar a um imperador romano a criação da Bíblia? Não. Essa mentira foi usada para criar suspeitas sobre as origens do cânone, o que mina a autoridade da Bíblia. O best-seller de 2003 de Dan Brown, O Código Da Vinci, plantou essa ideia em nossa cultura, e muitos agora pensam que Constantino ou Niceia organizaram a Bíblia. Mas Dan Brown não inventou essa história. Ele só a perpetuou através de sua ficção. (O mesmo vale para o último livro do popular romancista de espionagem Daniel Silva, A Ordem. Ele admite em uma nota do autor: “Os cristãos que acreditam na inerrância bíblica, sem dúvida, discordarão da minha descrição de quem eram os evangelistas e de como seus Evangelhos foram escritos.”) Não há base histórica para a ideia de que Niceia estabeleceu o cânone e criou a Bíblia. Niceia e o cânone na História Não há base histórica para a ideia de que Niceia estabeleceu o cânone e criou a Bíblia. As Listas de Cânones Bíblicos do Cristianismo Primitivo (em tradução livre, título original The Biblical Canon Lists from Early Christianity) e outras evidências antigas mostram que os cristãos disputavam a definição do cânone bíblico antes e depois de Niceia. Por exemplo, mesmo listas de pais pró-Niceia, como Cirilo de Jerusalém (cerca de 350 d.C.) e Atanásio de Alexandria (cerca de 367 d.C.) não concordam com a inclusão do Apocalipse. Nenhum dos primeiros registros do concílio, nem testemunhas oculares (Eusébio ou Atanásio, por exemplo), mencionam qualquer decisão conciliar que estabeleceu o cânone. No prefácio de sua tradução para o latim de Judite, Jerônimo escreveu: Mas uma vez que o Concílio de Niceia é considerado (legitur lit. “é lido”) como tendo contado este livro entre o número de Sagradas Escrituras, eu aquiesci ao seu pedido (ou devo dizer demanda!). Jerônimo poderia estar se referindo a uma decisão formal de incluir Judite no cânone? Isso é improvável. Os primeiros adeptos da ortodoxia estabelecida em Niceia – de Atanásio a Gregório de Nazianzo, Hilário de Poitiers e o próprio Jerônimo – não incluem Judite em suas listas de cânones. Se uma decisão tivesse sido tomada em Niceia sobre a canonicidade de Judite, os primeiros adeptos a teriam listado entre os livros canônicos. Mas eles não o fizeram. Em vez disso, Jerônimo provavelmente está descrevendo discussões nas quais alguns pais podem ter se referido a Judite como bíblica. De qualquer forma, essas discussões não terminaram em uma decisão conciliar formal sobre os limites do cânone. Parece que a declaração de Jerônimo, porém, foi mais tarde mal interpretada ao dizer que Niceia decidiu pelo cânone, o que nos leva ao resto da história. RelacionadosPor Que a Bíblia dos Protestantes e a Dos Católicos São Diferentes?John D. MeadeO Dia em que a Bíblia se Tornou um Best-SellerJeffrey KlohaComo Saber Se Temos os Livros Certos na BíbliaMichael J. Kruger Niceia e o cânone no Mito A fonte dessa ideia aparece em um manuscrito grego do final do século IX chamado Synodicon Vetus, que pretende resumir as decisões dos concílios gregos até aquele momento (ver páginas 2–4 aqui). Andreas Darmarios trouxe este manuscrito do Peloponeso no século XVI. John Pappus editou e publicou em 1601 em Estrasburgo. Aqui está a seção relevante: O concílio esclareceu que os livros seriam decididos como canônicos e apócrifos da seguinte maneira: colocando-os na lateral na divina mesa da casa de Deus – eles oraram, suplicando ao Senhor que os livros divinamente inspirados pudessem ser encontrados sobre a mesa, e os espúrios embaixo; e assim aconteceu. Segundo esta fonte, a igreja tem o seu cânone por causa de um milagre ocorrido em Niceia em que o Senhor fez com que os livros canônicos ficassem sobre a mesa e os apócrifos ou espúrios fossem encontrados embaixo. Da edição de Pappus do Synodicon Vetus, este trecho foi difundido e citado (às vezes como vinda do próprio Pappus, não do manuscrito grego que ele editou!) e eventualmente foi encontrada na obra de pensadores proeminentes como Voltaire (1694–1778). No volume 3 de seu Dicionário Filosófico (N. do T, tradução literal do inglês) em “Concílios” (seção I), ele escreve: Foi por um artifício quase semelhante que os pais do mesmo concílio distinguiram os livros autênticos dos apócrifos das Escrituras. Tendo-os colocado juntos sobre o altar, os livros apócrifos caíram por si mesmos. Um pouco mais adiante, na seção III, Voltaire acrescenta: Já dissemos que, quanto ao Concílio de Niceia, é relatado que os pais da igreja, muito perplexos ao descobrir quais eram os autênticos e quais eram os livros apócrifos do Antigo e do Novo Testamento, os colocaram todos sobre um altar, e os livros que eles deveriam rejeitar caíram no chão. Que pena que uma prova tão boa tenha se perdido! Receba novos artigos e atualizações em sua caixa de entrada. Leave this field empty if you're human: Voltaire menciona anteriormente que Constantino convocou o concílio. Em Niceia, então, os pais da igreja distinguiram os livros canônicos dos apócrifos por meio de orações e milagres. A publicação da edição de 1601 do Synodicon Vetus de Pappus – e a subsequente citação do milagre em Niceia, especialmente por Voltaire em seu Dicionário – parece ser a razão pela qual Dan Brown pôde narrar os eventos de forma tão florida e porque muitos outros continuam a perpetuar essa lenda. Uma questão de autoridade A igreja não nos deu o cânone mais do que Sir Isaac Newton nos deu a força da gravidade. À medida que a nossa cultura se torna cada vez mais secular, muitos continuarão a duvidar das origens da Bíblia e especialmente sobre o papel do cristianismo primitivo na formação do cânone. Embora a história do cânone seja um pouco confusa em alguns momentos, não há evidências de que tenha sido estabelecido por alguns bispos e igrejas cristãos reunidos em Niceia em 325. Os cristãos precisam preparar suas mentes para agir nesta época e afirmar com confiança que o cânone bíblico é a obra de Deus, reconhecida pelas igrejas ao longo de muitos anos. Nas palavras vívidas de J. I. Packer: “A igreja não nos deu o cânone mais do que Sir Isaac Newton nos deu a força da gravidade”. Este artigo foi originalmente publicado no site The Gospel Coalition. John D. Meade jmeade@ps.edu | + posts John (PhD, The Southern Baptist Theological Seminary) é professor em Antigo Testamento e co-diretor do Text & Canon Institute no Phoenix Seminary, além de colaborador no Hexapla Project. Ele é autor (com Ed Gallagher) do livro The Biblical Canon Lists from Early Christianity e A Critical Edition of The Hexaplaric Fragments of Job 22–42, ainda sem tradução para o português. John D. Meade https://textandcanon.org/pt/artigos/?authors=jmeade A Bíblia que Jesus Lia John D. Meade https://textandcanon.org/pt/artigos/?authors=jmeade Por Que a Bíblia dos Protestantes e a Dos Católicos São Diferentes?