CânonPor Que a Bíblia dos Protestantes e a Dos Católicos São Diferentes? O conhecimento da história da Bíblia elimina as caricaturas e desinformações que giram em torno dessa pergunta comum John D. Meade7 Novembro, 2021 CompartilharFacebookTwitterLinkedInImprimir Nível Por que as Bíblias católicas contêm mais livros que as protestantes? Poucas perguntas provocam mais curiosidade (e angústia) sobre a história da Bíblia do que por que e como os dois principais ramos ocidentais do cristianismo têm livros diferentes. A Bíblia Católica Romana tem 73 livros, enquanto a Bíblia Protestante contém 66. Ambos os grupos afirmam que a Bíblia exerce autoridade doutrinária, embora reconhecidamente de maneiras diferentes. Ou seja, protestantes e católicos afirmam que a Bíblia é o seu cânone ou autoridade para a fé e a moral. Antes de podermos entender como cada grupo lê sua Bíblia, precisamos aprender as diferenças entre as bíblias que lêem. Para fazer isso, detalharemos as principais diferenças, descreveremos a história do cânone e, em seguida, mostraremos por que a questão é importante. As diferenças Católicos e protestantes têm o mesmo Novo Testamento de 27 livros. Assim, as diferenças entre suas Bíblias dizem respeito aos limites do cânone do Antigo Testamento. Em suma, os católicos têm 46 livros, enquanto os protestantes têm 39. Assim, os católicos têm mais sete livros e também alguns acréscimos dentro de livros em comum: Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico (ou Sirácide ou Ben-sirá), 1–2 Macabeus, Baruque, e adições a Daniel e Ester. Os protestantes chamam esses livros coletivamente de “apócrifos”, enquanto os católicos se referem a eles como “deuterocanônicos”. Aqui, “deuterocanônicos” não significa segundo em autoridade, mas segundo somente em recepção no tempo. O Antigo Testamento protestante concorda com o conteúdo mais restrito do cânone hebraico (embora não com a ordenação e numeração dos livros), enquanto o Antigo Testamento católico contém esses mesmos livros mais os livros deuterocanônicos. Como surgiram os diferentes cânones De início, várias respostas simplistas precisam ser evitadas. Isso inclui a noção de que os protestantes removeram livros da Bíblia ou que os católicos romanos finalmente publicaram sua Bíblia pura e simples no Concílio de Trento. Como veremos, a história do Antigo Testamento desde o início da era cristã ao século XVI foi bastante complexa. É preciso entender a história inicial do relacionamento do cânone com esses outros livros antes de fazer declarações abrangentes sobre o que aconteceu no século XVI. História cristã primitiva (100–400 d.C.) Os primeiros cristãos responderam à pergunta “O que é o Antigo Testamento?” de maneiras diferentes, ao reconhecer a voz de seu pastor nos escritos judaicos que sobraram. Jesus e os apóstolos não deixaram para trás uma lista de livros autorizados para a Igreja primitiva, e havia vários livros espiritualmente significativos e opiniões diferentes sobre eles. Os códices completos da Bíblia grega do século IV (Vaticanus, Sinaiticus, Alexandrinus) continham muitos dos livros deuterocanônicos ao lado dos outros. Eles foram integrados ao lado do restante do Antigo Testamento. Os cristãos estavam claramente copiando e lendo esses livros. Se eles os consideravam como autoridade ou não, é uma pergunta à parte, como veremos. Além disso, no terceiro século, os cristãos começaram a citar os livros deuterocanônicos como “Escrituras”. Claramente, eles consideravam esses trabalhos como importantes. Embora os autores do Novo Testamento e do segundo século nunca citem os livros deuterocanônicos como Escrituras, eles lhes fazem alusão, mostrando que estão cientes deles. (Veja, por exemplo, a alusão aos mártires judeus de 2 Macabeus 6–7 em Hebreus 11:35.) Receba novos artigos e atualizações em sua caixa de entrada. Leave this field empty if you're human: Mas a declaração de Paulo em Romanos 3:2, “aos judeus foram confiadas as palavras de Deus”, provavelmente levou muitos cristãos primitivos a concluir que o cânone do Antigo Testamento da Igreja deveria corresponder ao cânone judaico. As listas mais antigas, do segundo e terceiro século de Melitão de Sardes, Nicéforo Briênio, Orígenes de Alexandria, e as listas gregas do século IV (por exemplo, de Cirilo de Jerusalém, Atanásio de Alexandria, Gregório de Nazianzo) omitiram quase todos os livros deuterocanônicos (por exemplo, alguns ainda incluíram Baruque como parte de Jeremias).1Edmon L. Gallagher and John D. Meade, The Biblical Canon Lists from Early Christianity: Texts and Analysis (Oxford: Oxford University Press, 2017). Esses e outros cristãos não rejeitaram completamente os livros deuterocanônicos. Em vez disso, eles os consideravam como úteis se os crentes lessem para sua edificação, mas não como autoritativos para a doutrina. Ou seja, os livros canônicos tinham a primazia e estabeleciam a doutrina para a igreja, enquanto livros de segundo nível ilustravam piedade para os crentes. Essa é uma distinção crucial por vezes hoje perdida. Os livros de primeira linha estabeleciam a doutrina, enquanto os livros de segunda ilustravam a piedade para os crentes. No entanto, no oeste latino, outro empreendimento estava em andamento. Em vez de perguntar se um livro fazia parte do cânone judaico, alguns cristãos primitivos aceitavam um livro no cânone se as igrejas lessem e recebessem esse livro. Agostinho de Hipona e o Papa Inocêncio I, por exemplo, aceitaram claramente os livros deuterocanônicos baseados nessa consideração. Mas outros cristãos latinos, como Jerônimo de Estridão e Rufino de Aquileia, continuaram a promover o cânone mais restrito, colocando os livros deuterocanônicos em uma lista secundária de livros edificantes, que não estabeleciam a doutrina da igreja. Related Ilustrações de Peter Gurry. Fotos da iStock e Insight of the King Como Saber Se Temos os Livros Certos na BíbliaQualquer estudo do cânone deve eventualmente perguntar como os cristãos sabem quais livros a ela pertencem e quais não. Michael J. Kruger O que esta breve pesquisa mostra é que os cristãos do século IV estavam divididos sobre os critérios para o cânone do Antigo Testamento. Com base nas listas de cânones, a maioria dos cristãos teria seguido o critério do cânone hebraico para determinar o que pertenceria ao seu. Mas outros determinaram o Antigo Testamento cristão olhando para quais livros as igrejas estavam lendo em público e aceitando. As duas visões concordavam com o cânone hebraico, mas discordavam do status dos livros deuterocanônicos—alguns relegando-os a um status de edificantes, porém secundários, e outros integrando-os com o restante dos livros. A questão ainda foi debatida no período inicial da Reforma e no período da resposta católica romana no Concílio de Trento (1546). O período da Reforma e o Concílio de Trento Embora o Concílio de Florença por volta do ano de 1445 tenha incluído uma lista de livros do Antigo Testamento incluindo os livros deuterocanônicos, a lista não tinha definição dogmática. Isso significa que os católicos perante o Concílio de Trento ainda estavam debatendo o cânone do Antigo Testamento de maneiras diferentes. Por exemplo, o cardeal Jiménez (mais conhecido por seu papel como Grande Inquisidor), o cardeal Caetano (conhecido por seu papel como revisor dos ensinamentos de Martinho Lutero na dieta de Augsburgo em 1518), e o grande estudioso católico Erasmo de Roterdã provavelmente teriam concordado com os primeiros protestantes sobre o conteúdo do Antigo Testamento e a distinção entre os livros canônicos e os edificantes livros deuterocanônicos. Mas outros teólogos católicos foram convencidos de que o Papa Inocêncio, o Papa Eugênio e o Concílio de Florença, entre outros, incluíam os livros deuterocanônicos no cânone. Quando o Concílio de Trento se reuniu em 1546 para discutir a questão do cânone das Escrituras, eles se comprometeram a imprimir a lista de livros do Concílio de Florença, mas não criam que estavam encerrando de uma vez por todas o debate entre Agostinho e Jerônimo—um vivo debate na época entre os estudiosos humanistas e protestantes, de um lado, e os católicos, de outro. RelacionadosA Bíblia que Jesus LiaJohn D. MeadeO Concílio de Niceia realmente Criou a Bíblia?John D. MeadeDuas Razões Pelas Quais Existem Variantes em Nossas Cópias da BíbliaPeter J. Gurry Mas quando o concílio publicou seu decreto sobre o cânone, o texto não refletiu claramente esse debate. Em vez disso, veio com uma lista inadequada de livros que incluíam os livros deuterocanônicos no mesmo nível que os outros livros. Mas as atas e os papéis das reuniões do Concílio de Trento sugerem uma história diferente. Eles mostram que os teólogos e os líderes da igreja acreditavam que não estavam resolvendo o duradouro debate sobre os livros deuterocanônicos, apesar de seu decreto publicar a lista mais ampla de livros sem qualquer qualificação ou explicação. Como diz um historiador católico recente: “Nesse caso, pelo menos, o próprio concílio deve ser responsabilizado pelo mal entendido.”2John W. O’Malley, Trent: What Happened at the Council (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013), 92. A partir deste ponto, os apologistas católicos, que deveriam saber melhor, começaram a defender esse cânone como parte da identidade católica romana. Por sua vez, os protestantes também entenderam a decisão de Trento como uma maneira de incluir os livros deuterocanônicos, por apoiar algumas de suas posições doutrinárias. Em 1566, o teólogo católico romano, Sisto de Siena cunhou o termo “deuterocanônico” para descrever esses livros, juntamente com alguns outros que os cristãos não chamariam deuterocanônicos hoje (por exemplo, o livro de Apocalipse). Por “deuterocanônicos”, Sisto quis dizer segundo quanto ao tempo da recepção—não em autoridade e dignidade. Esses livros foram mais lentos para serem recebidos no cânone das Escrituras da Igreja e, portanto, ele os chamou de deuterocanônicos, enquanto os protestantes continuaram chamando esses livros de “apócrifa”, preservando claramente a antiga distinção entre eles e os livros canônicos. As diferenças importam? Já em 1519, as diferenças entre esses cânones podiam ser percebidas. Em um debate em Leipzig, Martinho Lutero e o católico Johann Maier von Eck debateram a doutrina do purgatório e o papel das indulgências, entre outras questões. Quando Lutero questionou a autoridade escriturística para o purgatório, ele observou que 2 Macabeus 12:43–45 pode oferecer alguma opinião, mas “uma vez que Macabeus não está no cânone”, só funciona para os que nisso crêem e não fornece tal autoridade. Somente os livros canônicos poderiam estabelecer a doutrina. Se o status canônico de um livro fosse contestado, como aconteceu a todos os livros deuterocanônicos, então não era uma autoridade suficiente. Nisso, Lutero estava apelando para a visão de Jerônimo. Em 1547, um ano após o decreto de Trento sobre o cânone, João Calvino em seu Antídoto argumentou que os líderes de Trento “se proveem de novos embasamentos quando dão plena autoridade aos livros apócrifos. Em 2 Macabeus eles provarão o Purgatório e o culto aos santos; as penitências em Tobias, exorcismos, e tudo mais. Do Eclesiástico eles tomarão emprestado não pouco. Pois de onde eles poderiam tirar melhor sua escória?”3From Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters: Volume 3: Tracts, Part 3, ed. Henry Beveridge and Jules Bonnet (Edinburgh; Calvin Translation Society, 1851; repr. Grand Rapids: Baker, 1983), 68. Esses primeiros protestantes entendiam claramente que os livros apócrifos ensinavam doutrinas diferentes das dos livros canônicos, e uma vez que a Igreja Católica Romana lhes conferisse plena autoridade, muitos de seus ensinamentos assim encontrariam apoio total. Claramente, as diferenças entre os dois cânones não são triviais. Cânone significa autoridade e, portanto, um suporte autorizado para os ensinamentos da igreja. Claramente, as diferenças entre os dois cânones não são triviais. Cânone significa autoridade e, portanto, um suporte autorizado para os ensinamentos da igreja. Conclusão Hoje, por causa dos diferentes cânones, católicos e protestantes têm diferentes autoridades escriturísticas. Expor a história dessa questão revela que os católicos em Trento não pensavam que estavam resolvendo o debate canônico ou publicando a Bíblia católica de uma vez por todas, mesmo que o decreto tivesse esse efeito. Da mesma maneira, a história mostra que os protestantes não estavam removendo livros da Bíblia, pois seu cânone não somente era tradicional como, à medida em que era coerente com o cânone hebraico, na verdade tinha o precedente mais antigo. O conhecimento da história da Bíblia elimina as caricaturas e desinformações que giram em torno dessa questão.Notes1Edmon L. Gallagher and John D. Meade, The Biblical Canon Lists from Early Christianity: Texts and Analysis (Oxford: Oxford University Press, 2017).2John W. O’Malley, Trent: What Happened at the Council (Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013), 92.3From Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters: Volume 3: Tracts, Part 3, ed. Henry Beveridge and Jules Bonnet (Edinburgh; Calvin Translation Society, 1851; repr. Grand Rapids: Baker, 1983), 68. John D. Meade John (PhD, The Southern Baptist Theological Seminary) é professor em Antigo Testamento e co-diretor do Text & Canon Institute no Phoenix Seminary, além de colaborador no Hexapla Project. Ele é autor (com Ed Gallagher) do livro The Biblical Canon Lists from Early Christianity e A Critical Edition of The Hexaplaric Fragments of Job 22–42, ainda sem tradução para o português.